quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O Sol também brilha aos quadradinhos!

Há uns meses fui convidado pela Júlia, uma antiga colega da “minha” Sofia, para fazer uma apresentação do Pé Descalço às alunas dela, na prisão feminina de Santa Cruz do Bispo. Aceitei com muita curiosidade, porque não sabia que realidade iria encontrar, de que forma iriam reagir, ou sequer se a mensagem que levava seria aceite por elas. Seria a minha primeira vez numa prisão (passava-se o mesmo com a Amélia), por isso também havia uma sensação de poder devolver algo à sociedade, devolver parte do que recebi nos últimos anos, ajudando alguém a melhorar a sua vida (não é esse, afinal, o espírito do Pé Descalço?).

Tal como nas outras apresentações, carregámos toda a tralha no carro e partimos. À nossa espera encontrámos a mesma Júlia sorridente e bem disposta de sempre, que nos explicou que havia naquela população de reclusas um pouco de tudo: a quem tenha ensinado a ler, a quem preparasse para entrar na universidade, a quem ajudasse a consolidar conhecimentos… Percebi que aquele era um contexto em que um professor é testado ao limite, pelo menos no que toca à capacidade de ensinar de tudo um pouco, e isso só me deu mais vontade de fazer aquela apresentação. 

Passado o detetor de metais e a revista, que afinal é de uma prisão que se trata, fomos conduzidos por uma série de corredores a uma sala com cadeiras e a exposição de parte dos trabalhos/projetos que elas tinham cumprido nesse ano. Passado um pouco começaram a chegar, com ar curioso, algumas mais desconfiadas que outras, mas todas com algo em comum: são pessoas como nós, que em algum momento da vida fizeram escolhas diferentes das socialmente aceites, das lógicas e das aceitáveis, e que por isso acabaram ali. Por cada cara daquelas havia uma história, um contexto para essa história, um conjunto de fatores que, também eles, contribuíram para o desfecho dessa história… afinal quem era eu para sequer imaginar do que se tratava?! Senti um profundo respeito por cada uma, até porque muitas já tinham passado bem mais do que eu, na sua vida, e foi com esse respeito que comecei a contar a minha história.

Foram 50 minutos de grande emoção, de grande partilha e de grande abertura ao bem que o outro tem dentro de si. Choveram perguntas, das mais fáceis às mais recônditas, e uma a uma construímos ali um contexto de confiança e tranquilidade que, espero, as possa ajudar a olhar a vida de forma diferente. Saliento uma das coisas que mais foi falada, questionada e martelada: as escolhas. Porquê? Como? E como mudar? Como se faz? Como se escolhe a direção da mudança? Como se começa?! Para cada uma havia uma pergunta, e para todas a minha resposta (que vale o que vale, apenas!…). 

No final houve gente que não sabia ler que quis comprar o livro, provavelmente uma ferramenta que serve para despertar para a leitura e a sua aprendizagem… Houve quem contasse histórias do que queria (iria!) fazer ao sair dali, das coisas que aprendera (naquela hora ou no tempo passado atrás das grades), das dúvidas que ainda tinha, dos medos que conservava… Nada que um lanche final não ajudasse a fechar com chave de ouro! Ah, e vendemos mais livros que em algumas escolas ditas “normais”…

Sobre esta visita tenho, por isso, vontade de deixar três ideias essenciais: 
  1. Um sistema prisional centrado em castigar é uma idiotice na maioria dos casos, pois não ajuda estas pessoas a mudar para uma versão melhor de si, antes perpetua o ciclo da exclusão e incompreensão;
  2. Um sistema centrado em reabilitar pessoas precisa de ter por base o apoio à descoberta de si mesmo, dos sonhos, dos anseios e medos, e de estratégias para colocar “tudo nos eixos” na vida de quem passa por lá;
  3. Um Pé Descalço, como uma conversa, uma mentoria, alguém que inspire, podem MESMO fazer a diferença na vida de QUALQUER pessoa, independentemente do sítio onde está ou da situação de que parte. Basta querer a mudança, e a mudança tenderá a começar a acontecer! 
Esta foi uma experiência única e marcante. Valeu a pena, fica a vontade de repetir, haja outras Júlias em outras prisões e contextos difíceis. Porque o Pé Descalço é para todos, e por nossa vontade chegará a TODO O MUNDO!

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