sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dia 12 - Adeus, Paris! (excerto do primeiro esboço do livro!)

Um quarto de hora depois estava de novo na Gare d’Austerlitz. Dirigi-me à bilheteira, onde encontrei a menina que me atendera dois dias antes. “Conseguiu o dinheiro?”, perguntou. “Sim!”, respondi, e enquanto o diabo esfrega um olho recebi um bilhete para um “sumptuoso” lugar sentado no Intercité de Nuit para Irún. Sim, muito ficariam de nariz torcido por não ser uma cama, mas eu não:  TINHA UM BILHETE PARA SAÍR DE PARIS, para seguir para Sul, e isso era tudo o que me interessava, era o que mais queria! Agradeci a gentileza com que me atendeu, peguei nas minhas coisas e fui até ao piano: se há dois dias ele servira para escoar as minhas dúvidas e ânsias, hoje servia para espalhar a alegria que sentia! Toquei durante uns bons quinze minutos, até sentir fome. Eram cerca de 19h, estava na hora de atestar a barriga. “Vamos lá procurar uma solução!”, pensei, sorridente.

NOTA: este texto é apenas um excerto do primeiro esboço do livro, não o texto final. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Dia 11 - Ainda Paris... (excerto do primeiro esboço do livro!)


O "canto dos que pedem boleia"!
Devo confessar que estava a ficar preocupado: depois de andar a todo o gás pela Suécia, Alemanha, Holanda e Bélgica, e até França, parando apenas porque eu queria, ali estava eu “encalhado”! Caramba, seria assim tão difícil sair de Paris para Sul?! Que raio se passava?! Para ajudar à festa a barriga estava outra vez a queixar-se, e com razão: em 24h só comera uma sandes, um pacote de bolachas e três iogurtes, apesar de ter andado quilómetros a fio com a tralha às costas! Eram estes os meus pensamentos no momento em que decidi mudar de sítio e procurar uma solução para o almoço, e foi neles que fui remoendo enquanto subia a rua... até que me apercebi: “espera aí, tu estás a ter pensamentos idiotas e derrotistas, estás a queixar-te e a gastar energia com o problema e não com a solução... PAROU!”.
Controlar o que penso, detectar auto-conversas destrutivas e padrões de pensamento nocivos, que me levem num rumo diferente do escolhido, tudo isto são hábitos que criei nos últimos anos e ensino aos meus clientes. Nenhum atleta começa a maratona a pensar “vai ser horrivelmente difícil, vai doer MUUUIIIITTTTOO e vou perder!”, porque se o fizerem estão arrumados. Qual é a solução? Pensar no que queremos, direcionar o pensamento para a busca da solução e, se no limite o sentimento persistir e nos fizer voltar ao caminho errado, falar alto connosco próprios, desvalorizando e/ou ridicularizando o problema e auto-convencendo-nos (é mais fácil se nos ouvirmos realmente) de que vamos dar a volta. Foi o que fiz, tal era a intensidade do sentimento de azar e derrota: “Vá lá, deixa-te de fitas! Fizeste já mais de 2.600 kms, encontraste sempre soluções, pessoas e recursos. Aqui a cultura é diferente, sim, e isso causa confusão e vai obrigar-te a encontrar novas soluções, mas, que diabo!, abre os olhos e procura-as, só assim as encontras. Elas andam aí, de certeza!!! Por isso anima-te, faz um sorriso, endireita-te e levanta a cabeça, hás-de descobrir o caminho, ele aparecerá como até aqui!!”. Imaginam o que pensariam os outros transeuntes ao ouvir-me falar alto, rua fora? As caras de espanto deixavam antever que alguma reprovação social deveria haver, pelo menos, mas sabem que mais? Eu não queria saber! Se a minha felicidade dependesse do que os outros pensam de mim estava a abdicar da minha vida para as vontades dos outros! Além disso eu sabia que funcionava, ponto, e sabia que fora da zona de conforto é que encontraria as soluções, e foi com este espírito que continuei em direcção à igreja. 
NOTA: este texto é apenas um excerto do primeiro esboço do livro, não o texto final. 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dia 10 - Paris e uma mão cheia de "não" (excerto do primeiro esboço do livro!)


Quinze minutos depois começou uma azáfama de pedidos e explicações: durante quatro horas alternei entre esperar, tocar piano (sim, também aqui havia um), explicar a minha história a revisores e chefes de comboio e ouvir, invariavel-mente, um “non” como resposta. Pelo meio tive ainda tempo para dar o meu lugar ao pai de uns meninos pequenos que se tinham sentado ao meu lado, de ler mais uns quantos capítulos do meu livro, de voltar à bilheteira para me aquecer e tentar a sorte com outro funcionário (sem resultado), e de recordar da eterma estratégia que aprendera nos EUA: recebes um "não", agradeces e dizes para ti próprio “Next!”. 
Foi assim até ao último comboio: Hendaye, Bourges, Tours, Toulose, Brive la Gallarde, Albi, Luchon, Tarbes e outros tantos destino para onde eles partiam um a um sem mim... Até o Elipsos para Barcelona tentei, mas nada feito: à meia-noite e meia saiu o último comboio, e eu ainda estava em Paris... e agora?
Sentei-me na sala de espera da gare, agora vazia, a pensar na minha vida e no que iria fazer a seguir. Contabilizei dezassete “nãos” ao longo do dia, o que era um record absoluto, e se era verdade que tinha sobrevivido também era claro que assim não iria a lado nenhum. Saboreei por isso as bolachas que sobravam e decidi ficar por ali: pelo menos estava num sítio calmo, minimamente limpo, quente e seguro, e isso eram luxos que não poderia desperdiçar! Recostei-me na cadeira e preparei-me para dormir... achava eu! Dez minutos depois ouvi atónito o anúncio no sistema de som: “é uma da manhã e a estação vai fechar. Pede-se a toda a gente que saia”... o quê? A estação fechava e toda a gente era posta na rua?! Com aquela é que eu não contava! Perguntei à senhora das informações se era mesmo assim, ao que me respondeu que sim, que teria que deixar o edifício entretanto. E foi assim que me vi na rua, em Paris, à uma da manhã e sem fazer a mínima ideia de onde poderia passar a noite... Seria esta a minha primeira noite na rua? “Não”, pensei, “nem penses!”.
NOTA: este texto é apenas um excerto do primeiro esboço do livro, não o texto final. 

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Dia 9 - Antuérpia. Lille e Paris (excerto do primeiro esboço do livro!)



Enquanto esperava que o revisor me desse o bilhete, na ponta da carruagem, chegou ao pé de nós uma senhora que lhe pediu para a ajudar a encontrar o lugar. Ele deixou-me ali e acompanhou-a ao lugar, na carruagem seguinte, e foi aí que a coisa descambou. Aproximou-se de mim outro revisor, que não tinha assistido à conversa, e pediu-me o bilhete. Expliquei que não tinha, ao que ele respondeu que mo tirava, pegou na maquineta e perguntou para onde ia. Eu expliquei-lhe que estava à espera do colega dele, com quem tinha falado, mas ele insistiu em tirar-me o bilhete. Foi então que lhe expliquei que não tinha como lhe pagar, que tinha falado com o chefe do comboio e que o colega dele estava ao corrente da situação. Ele fez uma cara muito feia, e disse com voz irritada que eu não podia viajar sem bilhete. Insisti que o chefe do comboio e o colega revisor estavam ao corrente e pedi-lhe que falasse com eles, ao que ele pegou no telemóvel e desatou a falar francês com eles àquela velocidade especial que eles usam e que impede um estrangeiro de perceber o que quer que seja. Depois pediu-me para não sair dali (como se eu fugisse de um comboio a mais de 300 km/h!) e foi até à carruagem da frente. Voltou pouco depois para me pedir o passaporte. Vinha com cara de poucos amigos, e a irritação que demonstrava indicava que vinham aí sarilhos. Dei-lhe o meu cartão de cidadão, que ele rejeitou por não ter morada, pedindo um documento que tivesse. Expliquei-lhe que não tinha e que o cartão de cidadão era válido na União Europeia, ao que ele me perguntou a morada de residência e começou a escrever na maquineta dos bilhetes. Poucos minutos depois passou-me um papel que percebi ser uma multa, de 98€, deu-me uma descompostura ao estilo de “neste comboio só se viaja com bilhete, ponto final!”. Expliquei-lhe que nunca fora minha intenção enganar ninguém, que pedira autorização para embarcar, mas era escusado: preto era preto, branco era branco, e eu não tinha bilhete, logo levava multa: era assim que ele via a situação. Para rematar disse-me que teria duas horas para pagar a multa no guichet, e que onde eu arranjaria o dinheiro era problema meu, porque naquele comboio só se viajava com bilhete, etc, etc, etc... Estava em maus lençóis, pronto!
NOTA: este texto é apenas um excerto do primeiro esboço do livro, não o texto final. 

domingo, 24 de agosto de 2014

Dia 8 - Antuérpia, um dia de descanso, passeio e partilha (excerto do primeiro esboço do livro!)

As compras no Lidl foram muito parecidas com as nossas por cá, excepto no facto de eles não terem carrinhos nem cestinhos: na prática agarra-se numa caixa de cartão vazia que esteja à mão e pronto, colocam-se as coisas lá dentro e reza-se para que não se desfaça. Muito estranho!... 
Foi de caixa em punho que parti à descoberta do que seria o jantar, num processo que o meu miúdo mais novo adora: “Estás a escolher ao calhas?!”, pergunta ele ao ver-me tirar coisas das prateleiras por impulso, como que por inspiração, de uma forma aparentemente aleatória. “Não”, respondo, “estou a deixar a imaginação fluir, até porque ao olhar para os ingredientes percebes se são frescos e vais construindo os pratos com base nisso também!”. Não, não sou nenhum Gordon Ramsay ou Jamie Oliver, mas gosto de inventar na cozinha e de construir os pratos por impulso e feeling mais do que por receitas. Tipicamente ou resulta muito bem ou... enfim, esqueçam. Neste caso fui observando o que poderia usar para uma sopa fora do espectro das sopas enlatadas que Bianca usava, e os espinafres “saltaram ao olhos”. Cenouras, batata, cebola, alface, alho e arroz completaram as compras, com a proteína a ficar a cargo de uns bifes de perú. Bianca confiou simplesmente em mim, juntou algumas coisas que precisava, e em menos de quinze minutos estávamos outra vez à chuva (agora miúda) a caminho de casa. A colega dela chegaria entretanto, pelo que fui adiantando o jantar para termos oportunidade de conversar. Fiz uma sopa de espinafres (com puré à base de batata, cenoura e cebola), tão simples que até parecia mal, e para completar a refeição salteei a carne de perú (strogonoff sem natas e com pouco ou nenhum azeite), com vários temperos que juntei por instinto, como sempre, acompanhando com arroz e uma salada de alface fresca. Muito dirão que é tudo menos comida gourmet, mas têm que admitir que é muito próximo da nossa forma portuguesa de cozinhar e, convenhamos, face a um arsenal de conservas até parecia gourmet! Quando a colega dela chegou o jantar estava em “roda livre”, com tudo a cozinhar calmamente e o cheirinho da comida a encher a casa. Raro, por ali!
NOTA: este texto é apenas um excerto do primeiro esboço do livro, não o texto final.